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Agricultura familiar busca retorno após baque na pandemia

Agricultura familiar busca retorno após baque na pandemia

Agricultura familiar busca retorno após baque na pandemia
José Lopes, cuja cooperativa acabou fechando: “Não temos crédito nem visita de técnicos agrícolas” — Foto: Acervo pessoal

Quando pequena, Mary de Moraes ajudava o pai a plantar goiabas no sítio da família, na zona rural de Nazaré da Mata (PE). Mais velha, começou a ajudar na emissão de notas fiscais e nos pagamentos da cooperativa de produtores de leite fundada por ele. Mas agora, com 31 anos e formada em administração de empresas, ela vive na cidade, onde trabalha com divulgação de negócios da região nas redes sociais. Suas duas irmãs moram ainda mais longe, no Recife. Mas, se pudesse, Mary voltaria à roça. “Eu gosto do campo e queria trabalhar com painho”, diz. “Só que a cooperativa fechou e o que se ganha no sítio é muito pouco,”

O caso está longe de ser único. A população rural com idade entre 16 e 32 anos caiu 17% desde 2018, para 6,8 milhões de pessoas no ano passado, segundo o IBGE. Os últimos censos agropecuários apontam, de 2006 a 2017, perda de 2,2 milhões de postos de trabalho na agricultura familiar - queda de 17,6%. No rumo oposto, empreendimentos não familiares aumentaram a mão de obra em 16,4%.

Mesmo assim, a agricultura familiar ainda emprega dois terços dos trabalhadores do campo, embora ocupe menos de um quarto das terras. Mas a concentração da renda e do volume produzido é grande. Análise do censo agropecuário de 2017 realizada pelo economista José Eustáquio Ribeiro Vieira Filho, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), revela que 69% das propriedades rurais somavam só 4% do valor bruto da produção (VBP). Nelas, a renda anual dos proprietários era inferior a dois salários mínimos. “Nesse segmento de extrema pobreza, três quartos dos estabelecimentos enquadram-se na agricultura familiar, voltada principalmente à subsistência”, diz o pesquisador.

Esses produtores enfrentam obstáculos como altos preços dos insumos nas compras de menor escala e a distância até os grandes centros consumidores. “Também pesam as dificuldades no acesso ao crédito, a equipamentos, a novas tecnologias e à assistência técnica”, acrescenta Vieira Filho.

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José Lopes conhece de perto esses problemas. “Não temos crédito nem visita de técnicos agrícolas”, diz. Ainda assim, até a pandemia, a Cooperativa dos Produtores de Leite de Nazaré da Mata (PE) abastecia escolas por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Por lei, ao menos 30% do que o programa repassa às secretarias de Educação e escolas e institutos federais deve ser destinado à aquisição de gêneros alimentícios de produção familiar.

Essas compras, porém, despencaram na pandemia, quando as aulas presenciais foram suspensas, mostra pesquisa do Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ) com 4.926 entidades executoras. Em 2020, somente 17% dessas entidades cumpriam o requisito, contra 41% cinco anos antes.

O corte atingiu produtores como os da cooperativa de Lopes. A entidade até fechou novos contratos para entrega de cerca de 15 mil litros de bebida láctea às prefeituras de Camutanga e de Carpina (PE) quando as aulas retomaram. “Compramos os insumos e nos organizamos para as entregas, mas as prefeituras não fizeram o pedido acordado e saímos no prejuízo de mais de R$ 30 mil”, conta. Sem clientes nem capital de giro, a cooperativa acabou fechando em 2022. Procuradas, as duas prefeituras não se pronunciaram.

Os jovens que preferirem o campo vão querer retorno financeiro”
— Adriana Ribeiro

Segundo a ÓAÊ, a parcela de entidades executoras que cumpriam o mínimo de compra de produtores familiares subiu para 55% em 2022. Algumas chegam a usar quase todo o recurso recebido na aquisição desses produtos. “Mas, no rumo oposto, há também aqueles que não compram nada”, diz Mariana Santarelli, coordenadora do observatório. Entre as capitais, enquanto Boa Vista e São Paulo destinaram em 2022 100% e 90,7% desses recursos à produção familiar, cada, segundo o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), Macapá não fez nenhuma compra e, no Recife, a fatia ficou em 4,4%. Procuradas, as duas prefeituras não responderam.

“Municípios enfrentam dificuldades no mapeamento da agricultura familiar local, na elaboração das chamadas públicas para aquisição dos alimentos, na adaptação dos cardápios que incluam esses produtos, além de alguns estarem em áreas com baixa produção agrícola”, informa, em nota, o FNDE. “Apesar disso, observa-se um crescimento gradual na adesão à meta”, acrescenta.

Entre os municípios que cumprem os requisitos, Muriaé (MG) destinou, em 2022, 55,9% de recursos do PNAE à produção familiar. Todas as escolas recebem frutas, legumes, grãos e outros alimentos da Cooperativa dos Produtores da Agricultura Familiar Solidária (Coopaf), formada por 248 pequenos e médios proprietários da região. Neste ano, a cooperativa espera vender R$ 5 milhões por meio do programa a Muriaé e a outros 19 municípios da entorno.

Na Coopaf, a produção é armazenada, quando necessário, em câmaras frigoríficas. A formação dos associados é outra frente de atuação. Além de assistência técnica e cursos na área de produção agrícola, a Coopaf tem um curso de gestão financeira no campo com foco aos cooperados de até 30 anos. “Nossos produtores estão envelhecendo e entendemos que os jovens que preferirem o campo vão querer retorno financeiro. Não dá para ficar só porque o passarinho encanta”, diz diretora-presidente da organização, Adriana Ribeiro.

xadrez Fonte do artigo:probabilidades mega sena